Advogada Andréia Ana Paula da Silva (OAB/SC 47.299) –
O empregador pode ser responsabilizado de forma objetiva caso o seu empregado seja infectado e venha a contrair a COVID-19, no ambiente de trabalho?
Em linhas gerais e práticas, o entendimento mais corrente e aplicável é de que não. O empregador não poderá ser responsabilizado objetivamente pela infecção de seus empregados pela COVID-19, ainda que o empregado exerça atividade em grau de risco elevado ou dita como especial.
Para melhor entendimento, considera-se responsabilidade civil objetiva aquela que independe de culpa, e que gera obrigação de reparação em decorrência apenas da existência do dano, demonstrado o nexo de causalidade. Diferentemente, a responsabilidade civil subjetiva, por sua vez, exige a comprovação da existência de dolo ou culpa por parte do agente, neste caso o empregador.
O entendimento pela não responsabilização do empregador, neste caso, encontra fundamento legal nas recentes disposições da lei 13.979/20, na medida provisória 927/2020[1], e no artigo 20, §1º, alínea “d” da lei 8.213/91[2].
A lei 13.979/20[3] dispõe sobre medidas como isolamento, quarentena, exames obrigatórios em determinados casos, obrigatoriedade de uso de máscaras e luvas em casos específicos.
A medida provisória 927/20, nos termos do seu artigo 29, prevê que em regra os casos de contaminação pela COVID-19 não serão considerados doença ocupacionais. No mesmo sentido, a lei 8.213/91 prevê que não será considerada doença ocupacional a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
Mesmo diante do entendimento aqui esposado, importante lembrar recente julgamento de Recurso Extraordinário[4] pelo Supremo Tribunal Federal, fixou tese de que “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.
O que se mantém em foco para defesa de que o empregador não poderá ser responsabilizado objetivamente pela infecção de seus empregados pelo COVID19, ainda que o empregado exerça atividade em grau de risco elevado ou dita como especial, é a excepcionalidade da situação em que nos encontramos – enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional(ESPII) – Pandemia[5].
Situação em que o rastreio do foco gerador ou disseminador é extremamente dificultoso e na maioria dos casos, impossível. Ainda, dado seu alto grau de contágio e possibilidade de manifestação assintomática no indivíduo, inexistem possibilidades de efetivo controle, inclusive pelos órgãos de saúde e expõe toda sociedade ao vírus.
Todavia, embora se entenda pela impossibilidade da responsabilização de forma objetiva do empregador, resta claro que a responsabilização subjetiva, apesar de fortemente dificultada, é plenamente possível e se pautará na verificação da ocorrência de negligência por parte do empregador, ou seja, a não tomada de medidas protetivas e/ou preventivas, e a não fiscalização do cumprimento das medidas por seus empregados.
Caberá ainda a análise particular de cada caso e situação da empresa, seu porte, número de empregados, ambientes de trabalho, contato e exposição a público externo, meios disponíveis para trabalho remoto, entre outros pontos que poderão ser arguidos caso a caso.
Pela nossa Constituição Federal, é indubitável o dever do empregador de zelar pela saúde e segurança de seus empegados, artigos 6º e 7º.
Além das medidas dispostas pela lei 13.979/20, pelas medidas provisórias e eventuais decretos emitidos em nível estadual e municipal que devem ser observados pelos empregadores, o Ministério Público do Trabalho expediu a nota técnica conjunta nº 02/2020 – PGT/CODEMAT/CONAP[6], onde destacou como integrantes de grupos populacionais mais vulneráveis os maiores de 60 anos, portadores de doenças crônicas, imunocomprometidos, gestantes e crianças.
Fez recomendações aos empregadores, sindicatos patronais e profissionais dos setores econômicos para que observem e contribuam para maior efetividade no controle das ações de prevenção à proliferação do vírus.
Para a elaboração da nota, o Ministério Público do Trabalho utilizou-se da classificação de graus de risco à exposição considerando as funções desempenhadas pelos trabalhadores da Occupational Safety and Health – OSHA:
- i) Risco muito alto de exposição: aqueles com alto potencial de contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19 durante procedimentos médicos, laboratoriais ou post-mortem, tais como: médicos, enfermeiras, dentistas, paramédicos, técnicos de enfermagem, profissionais que realizam exames ou coletam amostras e aqueles que realizam autopsias;
(ii) Risco alto de exposição: profissionais que entram em contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19, tais como: fornecedores de insumos de saúde, e profissionais de apoio que entrem nos quartos ou ambientes onde estejam ou estiveram presentes pacientes confirmados ou suspeitos, profissionais que realizam o transporte de pacientes, como ambulâncias, profissionais que trabalham no preparo dos corpos para cremação ou enterro;
(iii) Risco mediano de exposição: profissionais que demandam o contato próximo (menos de 2 metros) com pessoas que podem estar infectadas com o novo coronavírus (SARS-coV-2), mas que não são considerados casos suspeitos ou confirmados; que tem contato com viajantes que podem ter retornado de regiões de transmissão da doença (em áreas sem transmissão comunitária); que tem contato com o público em geral (escolas, ambientes de grande concentração de pessoas, grandes lojas de comércio varejista) (em áreas com transmissão comunitária);
(iv) risco baixo de exposição: aqueles que não requerem contato com casos suspeitos, reconhecidos ou que poderiam vir a contrair o vírus, que não tem contato (a menos de 2 metros) com o público; profissionais com contato mínimo com o público em geral e outros trabalhadores.
Entre as recomendações feitas destacam-se o fornecimento de meios que possibilitem a higienização das mãos, a adoção de medidas que impliquem em alterações na rotina de trabalho, como, por exemplo, política de flexibilidade de jornada quando os serviços de transporte, creches, escolas, dentre outros, não estejam em funcionamento regular e quando comunicados por autoridades.
A adoção política de flexibilidade de jornada para que os trabalhadores atendam familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade a infecção pelo coronavírus, e para que obedeçam a quarentena e demais orientações dos serviços de saúde.
Impedir a circulação de crianças e demais familiares dos trabalhadores nos ambientes de trabalho, acatar aos planos de contingência recomendados pelas autoridades locais em casos de epidemia, tais como: permitir a ausência no trabalho, organizar o processo de trabalho para aumentar a distância entre as pessoas e reduzir a força de trabalho necessária, permitir a realização de trabalhos a distância (teletrabalho, home office);
Adotar outras medidas recomendadas pelas autoridades locais, de molde a resguardar os grupos vulneráveis e mitigando a transmissão comunitária e advertir os gestores dos contratos de prestação de serviços, quando houver serviços terceirizados, quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para conscientizar e prevenir seus trabalhadores acerca dos riscos do contágio do novo coronavírus (SARS-COV-2) e da obrigação de notificação da empresa contratante quando do diagnóstico de trabalhador com a doença (COVID-19).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também divulgou uma cartilha em que prescreve diversas medidas a serem observadas, entre as quais destacamos manter ambientes ventilados; higienizar adequada e regularmente cadeiras, mesas, telefones, teclados, computadores e outros equipamentos; não compartilhar objetos pessoais; disponibilizar lenços descartáveis em diversos locais para higiene nasal; distribuir dispensadores de álcool-gel; elaborar material visual de conscientização da importância da correta lavagem e secagem das mãos; etc.
O desrespeito, não acatamento pelo empregado das orientações e das medidas preventivas impostas pelo empregador também podem ter consequências, podendo o empregador aplicar ao empregado que se recuse a utilizar máscaras, luvas e/ou álcool em gel, punições como advertência, suspensão e até mesmo a rescisão por justa causa.
Não se descarta também a possibilidade de reconhecimento de culpa exclusiva do empregado via ação judicial, no caso de contrair a COVID-19.
É indicada ao empregador a elaboração de informativo aos empregados sobre as medidas a serem adotadas, e orientações sobre aplicação e uso. Recomenda-se ainda, o envio por meio eletrônico (e-mail ou outro adotado internamente pela empresa) pelo qual se torne possível o controle de recebimento, devendo haver complementação das orientações de aplicação e uso em casos de complexidade média ou alta da atividade, sendo imprescindíveis em casos de risco de exposição médio ou alto.
Cabe lembrar que a adoção do trabalho à distância (home office), ou a execução de trabalho externo não isentam ao empregador do fornecimento de equipamentos de proteção e prevenção, de informar, de orientar e fiscalizar seus empregados. E nestes casos, alguns dilemas podem ser enfrentados pelos empregadores e empregados.
Pelos empregadores – Como fiscalizar?
De modo geral, cada empregador necessitará analisar e empregar os meios disponíveis e acessíveis a cada ramo de atividade e capacidade financeira, tendo sempre como prioridade a segurança e saúde de seus empregados. Para a fiscalização, verifica-se que a tecnologia pode ser uma grande aliada.
Em casos que se verifique como opção, a comunicação com os clientes atendidos pelo empregado, também pode ser aplicável.
Não se olvide de que todas as medidas a serem adotadas devam estar de acordo com a legislação e normas de segurança aplicáveis, além de preservar o direito de personalidade e privacidade dos empregados.
Pelos empregados – O que fazer em caso de não fornecimento de meios adequados a prestação de serviço e/ou desenvolvimento da atividade?
Em qualquer que seja a circunstância ou o trabalho a ser desenvolvido, a preservação saúde, segurança e assim, da vida, deverá estar em primeiro lugar. Esta é a conclusão obtida da análise de todo regramento pertinente a normatização das relações de trabalho e de enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).
O Brasil confirmou 40.581 casos e 2.845 mortes até a tarde do dia 20 de abril de 2020[7], e diante dos esclarecimentos realizados sobre a responsabilidade e deveres do empregador neste cenário, é certo concluir que o empregador que não oferecer as condições necessárias ao desenvolvimento da atividade pelo empregado, não poderá exigi-la.
Infelizmente, na prática sabemos que as relações de trabalho não são simples ou passíveis de solução consensual na maioria das vezes, apenas entre as partes envolvidas, pelo que surgem as inúmeras reclamações trabalhista levada ao poder judiciário. E assim, na ocorrência de ato do empregador que viole as prerrogativas de saúde e segurança, empregados poderão socorrer-se a intervenção dos órgãos de fiscalização, sindicatos das respectivas categorias, e profissionais habilitados à defesa de seus direitos.
[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm
[4] Recurso Extraordinário (RE) 828040
[5] Foram confirmados no mundo 2.314.621 casos de COVID-19 (72.846 novos em relação ao dia anterior) e 157.847 mortes (5.296 novas em relação ao dia anterior) até 20 de abril de 2020. (Fonte: OPAS- Brasil) – https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
[6] https://mpt.mp.br/pgt/noticias/nota-tecnica-conjunta-02-2020-pgt-codemat-conap-1.pdf
[7] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875